Pronto.
Parou.
Eu era capaz de ouvir minha respiração, quase conseguia ouvir meu sangue fazendo algo parecido com a Maratona de Nova York dentro de mim. Era isso. Aliás, é isso. Vinte e cinco anos que tenho, trinta que vou ter daqui a 4 anos e meio e sei que nunca vou viver nada parecido. Porque era uma coisa pura mais do que água de fonte subterrânea, eu conseguia ver meus pés pela água no fundo como em mar de Fernando de Noronha, não havia egoísmo, raiva ou necessidade de atenção, não. Talvez o único sinal de egoísmo fosse eu jamais ter deixado ele saber. Sim, sim, até hoje. Eu nunca quis que ele soubesse porque o melhor do amor platônico é justamente o fato de ele ser platônico.A partir do momento em que ele é pronunciado, ele se materializa, independentemente da reciprocidade do outro. Mesmo que tudo corra bem, que a outra pessoa também te ame loucamente ou até mesmo sonhe com você todas as noites, não importa: deixa de ser amor platônico. E isso foi algo que mesmo com meu coração na goela, minhas crocodilagens, meu sutiã recheado de algodões na época e minha caloi todas as tardes na frente da casa dele, eu guardei em mim. Eu sei que essa história é estranha pra você, sei mesmo. Primeiro, você deve estar se perguntando: por que eu guardei isso por tanto tempo? E segundo, como eu pude me sentir assim por alguém alguma vez na vida, não é? Você me conhece. Você sabe que eu sou dura na queda, mas quando eu caio, já caio dura.Morte súbita, sem pausa pra catalepsia ou purgatório. E essa foi a única vez que eu caí. Justamente por ele a quem era capaz de enxergar de olho fechado, mas desviava a íris de olho aberto; ele que me tirava do sério, me fazia ser molenga, fofa (como dizem vocês quando alguém é doce na vida), justamente ele, junto de quem eu mantinha os joelhos fechados e calcinha exatamente como eu vesti sem nenhum impulso de fazer diferente. Justamente por ele a quem nunca sequer dirigi a palavra ou dei um aceno simpático. Justamente por ele a quem encontrei na rua semana passada. Como ele estava? Ele estava ele, that’s all.A minha paixão-loucura-criancice por ele ainda é a mesma, eu fui jogada no passado, deixei de ser eu e virei eu-fui, eu simplesmente não consegui mais andar. Como era de se esperar, eu não tive coragem de encará-lo, meus olhos fugiram depressa pros braços e mãos dele (você bem sabe da minha loucura por mãos, não é?). E lá estava exatamente o que eu menos esperava ver nele. Nunca uma coisa tão brilhante me fez ficar tão opaca, tão desbotada. Nunca. Como diante de tantas coisas onde eu pudesse descansar meu olhar, tanta beleza pra eu ver, tanta saudade pra matar a primeira coisa que eu consegui enxergar foi uma aliança? Uma aliança, minha filha. Eu e essa minha mania por detalhes. Sempre me disseram que se prender demais aos detalhes desvia a atenção do ponto central e é realmente verdade. O ponto central é que eu tinha perdido ele de vez, mesmo sem nunca ter tido. Sem nunca ter tido nem coragem de ter. E sem nunca mais ter tido nada parecido nem diferente, nada que significasse alguma coisa pra mim. Lembra quando eu disse que eu não via mais as placas de perigo nem sabia mais o que ele significava quando era mais nova?. Nunca mais achei, o achei, me achei, barco perdido, carregado e cheio. Também nunca achei que fosse virar uma cínica, com direito a carteira oficial do Clube das Sonsas e título de maior fingidora que essa cidade já viu. Eu me perdi, rota para a clausura, para a secura de caráter e para o coração duro, longe de mim mesma. Achei de me perder, perder os sentimentos e só achar exatamente o que quisesse, ou seja, o corpo de vários outros homens ao longo dos anos. E foi aí que me perdi de vez e agora me acho aqui te contando tudo isso e me achando a mais seca (ou a mais idiota) das criaturas. Quando o vi, percebi tudo: quis me achar. Me achar nos braços dele, na cama dele, nos olhos dele, na rua dele encostada na minha Caloi velha. Eu achava que nunca perdia. Disse bem: achava. Porque agora eu não acho mais é nada e se você contar pra alguém que me viu chorando, nunca mais eu te conto nada, ok?