segunda-feira, 16 de março de 2009

videogame e freios de bicicleta

Eu nunca consegui te contar o quanto eu te amava. Falando assim, tão cinicamente, isso parece muito triste, não é? Não, eu sinceramente não acho. Porque não era o fato de eu não te dizer que me fazia te amar um pouquinho menos ou não te amar at all, muito pelo contrário: isso era justamente o que mais afirmava o meu amor por você. Se você soubesse a quantidade de vezes que eu prendi o cabelo num coque feioso usando um lápis todo mordido, coloquei aquele meu pijama ridículo de corações e aquela clássica calcinha velha e furada e fiquei na frente do espelho, exatamente como quando eu fazia quando tinha 12 anos, ensaiando aproximadamente 150 palavras pra te dizer por segundo, você até chegaria perto de entender o que eu sentia. Mas, como eu disse, você nunca soube disso. Aliás, você nunca soube de nada, porque quanto mais eu gostava de você, menos eu te procurava, menos eu queria estar na sua presença. Eu preferia te ver de longe, sem você nem imaginar. Como quando eu te via passar por mim na faculdade enquanto eu tomava café da manhã na cantina e quase sempre queimava a língua quando você aparecia, porque me esquecia de tudo, até mesmo da quentura do capuccino que tinha acabado de sair do microondas. No fundo, isso era tudo que eu precisava para continuar no meu plano infalível de não ter que te encarar: uma língua queimada era o pretexto ideal para adiar por mais uma semana aquele convite de te chamar pra lanchar ou ir para o cinema depois da aula como as minhas amigas sempre me mandavam fazer. Ao mesmo tempo, eu ia entrando em parafuso porque cada vez que eu te encontrava e a gente conversava sobre coisas sérias, coisas bobas e coisas nem tão bobas nem tão sérias assim, eu era nocauteada por você, sem nem chance de me levantar pra limpar o rosto ou beber água. Aí eu continuava ensaiando o que te dizer no dia em que eu cansasse de fugir desesperadamente de você, mas era eu olhar aqueles teus olhos que pareciam ler todas as linhas de pensamento que eu ia escrevendo, que eu ficava pior do que trem desgovernado, carro com freio quebrado, réu culpado. Enquanto as outras meninas te chamavam pra ir a aquela boate nova que tinha inaugurado ou pra beber naquele bar da moda no fim de semana, eu começava a falar descontroladamente sobre freios de bicicleta e sobre como eu vencia todos os meninos na sinuca e no dominó. Aí depois falava sobre videogames ou sobre aquela entrevista que aquela gostosona tinha dado no programa de domingo, quando o que eu queria mesmo te dizer era que você era tão lindo, mas tão lindo que me fazia querer casar com você sem nem saber o seu nome do meio e que eu ouvia a sua voz ecoando na minha cabeça só de lembrar de você, e que você era a única pessoa no mundo cuja voz eu realmente ouvia sem de fato ouvir. Quando eu me dava conta do que tava fazendo, meu deus do céu, que vontade de correr e voltar a ser o que eu sempre era na tua presença: uma criança assustada. Era exatamente nesse momento que eu fingia que meu celular tava tocando e saía de fininho pra bem longe, o mais longe possível de você, e me botava a arrancar uns quatro ou cinco fios de cabelo de cada vez por ter te dito aquelas besteiras todas. Ai como eu me odiava pós-você. Me odiava tanto que queria a todo custo parar de fingir que não acordava quase todos os dias pensando naquela entradinha do teu lábio superior entre o queixo e a boca ou que eu não comecei a me maquiar para ir para aula só por causa de você ou que não era pensando em um dia dividir com você que eu comprava o Milk-shake de 700ml quando ia sozinha ao cinema. Nesses momentos, é que eu tinha vontade de fazer valer todas minhas horas de ensaios, todas as vezes em que eu queimei minha língua e todo esse tempo que escondi isso e te dizer logo aquelas três palavrinhas: eu te amo.

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